terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Habeas Corpus em ação de interdição e aplicação preventiva da Lei Maria da Penha em ação cível: O direito privado e o diálogo das fontes.


              A Constitucionalização do Direito Privado - na verdade a sua reconstrução - seguiu uma tendência que se prospectou em todos os ramos do direito. Trata-se na verdade de construção não só teórica, mas também eminentemente prática.  

Cuida-se de fenômeno que alterou a maneira de explicar e aplicar o direito. A constitucionalização, na lição de Perlingieri, possui 3 vetores teóricos: i) eficácia normativa da constituição (supremacia); ii) Unidade do ordenamento jurídico refletindo no pluralismo das fontes e (iii) uma nova teoria da interpretação jurídica.

No mesmo sentido Fachin, para quem o direito privado deve ser interpretado superando antigos paradigmas como: i) monismo das fontes; ii) rigidez literal da hermenêutica e iii) a significação monolítica dos institutos.

Neste cenário, dois recentes julgados apontam claramente a tendência verificada pela doutrina: o primeiro julgado de 17 de dezembro de 2013 trata da impetração de Habeas Corpus em Ação de Interdição, já o segundo trata da possibilidade de aplicação preventiva da Lei Maria da Penha em ação cível.

No HC 135.271-SP, de Relatoria do Ministro Sidnei Beneti, a 3ª Turma do STJ entendeu ser cabível a impetração de habeas corpus para reparar suposto constrangimento ilegal à liberdade de locomoção decorrente de decisão proferida por juízo cível que tenha determinado, no âmbito de ação de interdição, internação compulsória.

O Superior Tribunal de Justiça se mostrava reticente quanto a utilização de habeas corpus em matéria cível, a prova é tanta que existe entendimento daquela corte de justiça de que referido remédio constitucional não constituiria via processual idônea para a impugnação de decisão proferida por juízo cível competente para a apreciação de matérias relativas a Direito de Família. (HC 206.715-SP, Quarta Turma, DJe 1/2/2012; e HC 143.640-SP, Terceira Turma, DJe 12/11/2009).

No caso dos autos, embora em decisão proferida pelo Juízo da Vara da Família, entendeu aquela turma se tratar de hipótese capaz, ao menos em tese, de configurar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Assim, caberia remédio constitucional, nos termos do art. 5º, LXVIII, da CF, segundo o qual o habeas corpus será concedido "sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

O segundo julgado, proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – o número do processo não foi divulgado em razão de segredo judicial – admitiu pela primeira vez a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06) em ação cível, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor.

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, consignou: “Parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas.

E justificou: “franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações intrafamiliares.”

Segundo o entendimento da quarta turma as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Nessa hipótese, as medidas de urgência terão natureza de cautelar cível satisfativa. 

Dos dois julgado é claramente perceptível a influência de uma construção do direito privado contemporâneo  na legalidade constitucional. A teoria do diálogo das fontes, conforme anota Cláudia Lima Marques ensina que a “doutrina atualizada, está a procura, hoje, mais da harmonia e da coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que da exclusão.”

Assim, a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha em matéria cível reforça esse caráter integrativo entre as fontes do direito, além de superar a forma de mera subsunção do fato a norma, valorizando, a otimização e realização dos preceitos através de uma atividade criativa da norma pelo julgador.

Ademais, a leitura ampla dos institutos como no caso da admissibilidade de utilização do habeas corpus em uma ação de interdição demonstra a leitura do sistema de direito privado, a partir da constituição, e mais que isso, como bem apontou Fachin ao tratar da eficácia  do Direito Civil Constitucional “a Constituição e os direitos fundamentais se aplicam às relações interprivadas com a mediação realizada pela atuação jurisdicional, além da sua própria eficácia direta e imediata.”

Por Otávio Leal

Nenhum comentário:

Postar um comentário