A Constitucionalização do
Direito Privado - na verdade a sua reconstrução - seguiu uma tendência que se
prospectou em todos os ramos do direito. Trata-se na verdade de construção não
só teórica, mas também eminentemente prática.
Cuida-se de fenômeno
que alterou a maneira de explicar e aplicar o direito. A constitucionalização, na
lição de Perlingieri, possui 3 vetores teóricos: i) eficácia normativa da
constituição (supremacia); ii) Unidade do ordenamento jurídico refletindo no
pluralismo das fontes e (iii) uma nova teoria da interpretação jurídica.
No mesmo sentido Fachin,
para quem o direito privado deve ser interpretado superando antigos paradigmas
como: i) monismo das fontes; ii) rigidez literal da hermenêutica e iii) a
significação monolítica dos institutos.
Neste cenário, dois
recentes julgados apontam claramente a tendência verificada pela doutrina: o
primeiro julgado de 17 de dezembro de 2013 trata da impetração de Habeas Corpus
em Ação de Interdição, já o segundo trata da possibilidade de aplicação
preventiva da Lei Maria da Penha em ação cível.
No HC 135.271-SP, de
Relatoria do Ministro Sidnei Beneti, a 3ª Turma do STJ entendeu ser cabível a
impetração de habeas corpus para reparar suposto constrangimento ilegal à
liberdade de locomoção decorrente de decisão proferida por juízo cível que
tenha determinado, no âmbito de ação de interdição, internação compulsória.
O Superior Tribunal de
Justiça se mostrava reticente quanto a utilização de habeas corpus em matéria
cível, a prova é tanta que existe entendimento daquela corte de justiça de que referido remédio constitucional não
constituiria via processual idônea para a impugnação de decisão proferida por
juízo cível competente para a apreciação de matérias relativas a Direito de
Família. (HC 206.715-SP, Quarta Turma, DJe 1/2/2012; e HC 143.640-SP, Terceira
Turma, DJe 12/11/2009).
No caso dos autos, embora
em decisão proferida pelo Juízo da Vara da Família, entendeu aquela turma se
tratar de hipótese capaz, ao menos em tese, de configurar constrangimento
ilegal à liberdade de locomoção. Assim, caberia remédio constitucional, nos
termos do art. 5º, LXVIII, da CF, segundo o qual o habeas corpus será concedido
"sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou
coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".
O segundo julgado,
proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – o número do
processo não foi divulgado em razão de segredo judicial – admitiu pela primeira
vez a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06)
em ação cível, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o
suposto agressor.
O ministro Luis Felipe
Salomão, relator do caso, consignou: “Parece claro que o intento de prevenção
da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas
judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é
desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas
vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões
corporais graves ou gravíssimas.”
E justificou: “franquear a
via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei
Maria da Penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior
intervenção penal nas relações intrafamiliares.”
Segundo o entendimento da
quarta turma as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os
requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para
fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher,
independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou
ação principal contra o suposto agressor. Nessa hipótese, as medidas de
urgência terão natureza de cautelar cível satisfativa.
Dos dois julgado é
claramente perceptível a influência de uma construção do direito privado contemporâneo na legalidade constitucional. A teoria do
diálogo das fontes, conforme anota Cláudia Lima Marques ensina que a “doutrina
atualizada, está a procura, hoje, mais da harmonia e da coordenação entre as
normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que da exclusão.”
Assim, a aplicação das
medidas protetivas da Lei Maria da Penha em matéria cível reforça esse caráter
integrativo entre as fontes do direito, além de superar a forma de mera
subsunção do fato a norma, valorizando, a otimização e realização dos preceitos
através de uma atividade criativa da norma pelo julgador.
Ademais, a leitura ampla
dos institutos como no caso da admissibilidade de utilização do habeas corpus
em uma ação de interdição demonstra a leitura do sistema de direito privado, a
partir da constituição, e mais que isso, como bem apontou Fachin ao tratar da
eficácia do Direito Civil Constitucional
“a Constituição e os direitos fundamentais se aplicam às relações interprivadas
com a mediação realizada pela atuação jurisdicional, além da sua própria
eficácia direta e imediata.”
Por Otávio Leal
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