segunda-feira, 14 de julho de 2014

União estável e partilha de bem imóvel construído em terreno pertencente a terceiros.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação n. 0012940-61.2012.8.26.0071, enfrentou questão em que a autora ajuizou ação de reconhecimento e dissolução de união estável cumulada com pedido de indenização por dano moral, bem como a partilha de um bem imóvel.

No primeiro grau de jurisdição, a sentença reconheceu a união estável entre o casal no período de janeiro de 2000 até 31.07.2008, e ainda, declarou o direito da autora a 50% da construção edificada sobre o imóvel com exclusão do terreno pertencente a terceiro.

No segundo grau, a questão tocante ao reconhecimento e dissolução da união estável não comportou maiores discussões, ou seja, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu, de maneira incontroversa, caracterizada a situação prevista no art. 1.723 do Código Civil que define como entidade familiar a “união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família”. Assim, no caso concreto foram reconhecidos os requisitos da publicidade, temporalidade, e o ânimo de constituir família.

A discussão, contudo, residiu nas questões atinentes à partilha do bem imóvel.

A autora afirmava que construiu juntamente com o réu um imóvel em terreno de propriedade da família deste. Assim, com base no disposto no art. 1.725 do Código Civil julgava ter direito sobre o imóvel, uma vez que na união estável, não havendo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens.

Neste cenário, há de se presumir que os bens adquiridos pelo casal na constância da união estável foram adquiridos pelo esforço comum.

Da análise do arcabouço probatório o TJSP entendeu que não obstante a construção do imóvel tenha sido realizada em terreno da família do réu, a autora faria jus a meação sobre os direitos do imóvel construído pelo casal. No entanto, o órgão julgador fez importante ressalva, no sentido que eventual indenização deveria ser exigida dos proprietários do imóvel, em ação própria, porquanto foram eles que se beneficiaram com a edificação.

Esta parte da decisão que ressalta que a indenização deve ser exigida dos proprietários do imóvel e não do então companheiro da autora tomou como base o que prevê o art. 1.255 do Código Civil: “Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé,  terá direito a indenização”. Percebe-se, portanto, que são relações jurídicas distintas a da autora e do réu (antigo companheiro) – reconhecimento/dissolução/efeitos da união estável - e da autora com os proprietários do terreno (beneficiados com a edificação) – indenização por edificação em terreno alheio.

O decisum trouxe ainda algumas importantes considerações visto que, no caso concreto, a união estável restou dissolvida em julho de 2008, logo, após a vigência da Lei 9.278/96 e do Código Civil de 2002, não se fazendo necessária a prova do esforço comum entre os conviventes para o direito a partilha do patrimônio obtido durante a união estável.

Note-se, por fim, que há aqui importante congruência com o direito civil constitucional no sentido de que o art. 226, § 3° da Constituição Federal elevou a união estável ao grau de entidade familiar, distinguindo-a da sociedade de fato, afastando, portanto, a aplicação do enunciado da Súmula 380 do STF, presumindo como fruto da cooperação entre os companheiros os bens adquiridos durante o reconhecimento da união estável.

Por Otávio Leal

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Responsabilidade Civil por abuso de direito na ação executiva.

      
O direito à tutela jurídica do Estado não pode ser uma aventura processual. Atento a isto, o legislador previu em nosso ordenamento inúmeros mecanismos que mitigam a utilização abusiva de um direito. É possível encontrar regras, tanto no Código Civil quanto na legislação processual, com a finalidade de frear no nosso sistema jurídico o abuso de direito e consagrar o princípio da boa-fé nas relações jurídicas.

Ocorre que, e aqui utilizamos a lição de Nehemias Domingos de Melo, “a matéria é muito controvertida, exatamente por situar-se numa linha muito tênue entre o exercício regular de um direito e o exercício abusivo deste mesmo direito.”

O nosso Código Civil prevê expressamente em seu art. 186: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” No entanto, é na seara processual que se visualiza com mais facilidade institutos que visam evitar as chamadas “chincanas processuais”, vide: a punição a litigância de má-fé. A temática foi enfrentada pelo STJ no julgamento do Resp 1.245.712/MT onde foi reconhecido o abuso de direito na ação executiva. Vejamos o caso.

A empresa Agropecuária Alvorada Ltda ajuizou ação reivindicatória que, ao final, foi julgada improcedente. Neste cenário, o advogado da parte vencedora ingressou uma ação executiva para receber os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência da referida empresa, bem como de seus sócios, fato que gerou transtornos para estes, pois foram bloqueados valores nas suas contas até conseguirem reverter a situação. 

Em razão disso, os sócios ajuizaram ação de indenização contra o advogado, que no primeiro grau foi julgada improcedente sob o fundamento de que não se poderia qualificar de absurdo o ajuizamento de execução também contra os sócios, sobretudo diante da teoria da desconsideração da personalidade. O Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul manteve a sentença fundamentando no direito constitucional de petição e ação.

Os sócios da empresa interpuseram recurso especial em que o principal fundamento seria a responsabilidade objetiva do exequente que propõe execução, sabendo que não há dívida ou que a obrigação exequenda não vincula a parte apontada como devedora, dando ensejo ao abuso de direito.

O STJ deu razão aos sócios entendendo que: (i) o título executivo que era judicial, continha obrigação relativa à empresa; (ii) entender de forma diversa seria deixar ao alvedrio dos exequentes, escolher quem se sujeitaria à ação executiva, independentemente de quem fosse o devedor vinculado ao título executivo; (iii) as sociedades de responsabilidade limitada tem vida própria, não se confundindo com a pessoa dos sócios, assim, havendo integralização das cotas o patrimônio pessoal em regra não responderia pela dívida da sociedade – princípio da autonomia da pessoa jurídica – que só se afastaria em situações pontuais e concretas não verificadas no título; (iv) na ação executiva o credor simplesmente incluiu os sócios sem justificar em nenhum momento esta inclusão na desconsideração da personalidade jurídica; (v) ocorreu, assim, uma desconsideração indireta, já que não fora nem requerida pelo advogado nem declarada pelo juiz.

Com base na fundamentação o STJ entendeu por configurado o abuso de direito na ação executiva ensejando a reparação civil em danos morais e materiais aos sócios.

Da situação apresentada podemos perceber que a grande confusão que se fez teve como principal razão a utilização de forma errônea da desconsideração da personalidade jurídica que não pode ser realizada de forma indireta, sem o requerimento da parte ou declaração do juiz, além de ser utilizada, conforme bem pontuou o STJ, somente em situações pontuais e concretas tal como prevê o art. 50 do Código Civil.

Por fim, o julgado reforça a necessidade da preservação da boa-fé processual que uma vez afastada pode ensejar a responsabilidade civil pelos danos causados, como bem se verificou no presente caso.

Por Otávio Leal