quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Mora: a importância do momento de sua constituição.

Tema bastante tratado pela doutrina e jurisprudência, a constituição em mora do devedor varia conforme a obrigação estabelecida. Assim, a análise do conteúdo da relação obrigacional se revela como primordial na distinção e efeitos que a constituição em mora apresenta, seja decorrente de obrigações com prazo determinado ou indeterminado, se obrigação de dar, fazer, não fazer ou decorrente de ato ilícito, ou ainda, conforme o tipo contratual, podendo, inclusive, derivar da própria lei.

A definição do momento da constituição em mora do devedor adquire relevância diante da necessidade de estipulação do seu termo inicial, sobretudo, para fins de composição dos juros moratórios, ou seja, os juros que indenizam o credor nos casos de retardamento do adimplemento.

Neste sentido, importante ter em mente dois importantes artigos do Código Civil de 2002 que tratam da constituição em mora do devedor, quais sejam: o artigo 397 e 398:

“Art. 397 - O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”.
Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.”

“Art. 398 - “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.”

Os artigos supra, trazem em seu bojo as distinções estabelecidas pelo legislador frente à inexecução culposa da obrigação por parte do devedor (elemento subjetivo da mora solvendi), em duas formas: mora ex re e mora ex persona.

A mora ex re é aquela que independe de interpelação, certo que, decorre do próprio inadimplemento, na clássica expressão, é “como se o termo interpelasse no lugar do credor” - dies interpellat pro homine. O caput do artigo 397 do CC é típico caso de mora ex re, uma vez que o simples inadimplemento da obrigação no seu termo constitui de pleno direito em mora o devedor. Do mesmo modo, temos o artigo 398 que versa sobre as obrigações decorrentes de ato ilícito, considerando o devedor em mora desde a prática do ato que violou o direito.

Importante aqui estabelecer que ao contrário do que se pode inferir de alguns conceitos como no extraído do julgamento do Recurso Especial nº 780.324 – PR onde constatamos a afirmação de que “a mora ex re decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva”. Temos mora ex re, também, em decorrência de obrigações negativas, conforme literal disposição do art. 390 do CC que estabelece: “Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster.”

Sobre o tema conforme aponta as lições de Judith Martins-Costa "a prestação negativa é inadimplida justamente no momento em que é praticada. Não há necessidade de notificação ou interpelação, para a constituição em mora que é automática, ou ex re.” (Comentários ao novo Código Civil, v. 5, t. 2, Forense, 2004, p. 165). Assim, importante deixar claro que existe a possibilidade de existir mora ex re em virtude de obrigações negativas.

Ao reverso, não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial. Nestes casos, estamos diante da mora ex persona onde se torna forçoso à atuação do credor para constituir o devedor em mora.

Sobre o sentido da interpelação, temos importante lição de Pontes de Miranda:

"a interpelação tem por fim prevenir ao devedor de que a prestação deve ser feita. Fixa esse ponto, se já não foi fixado; se já foi fixado, a interpelação é supérflua, porque o seu efeito mais importante, a mora, se produziu antes dela, ipso iure" (Tratado de direito privado . Tomo II. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2002, p. 519)

Como a mora ex re é dotada de uma maior precisão quanto ao seu termo inicial não traz tantas polêmicas quando da sua delimitação. O mesmo não ocorre quanto a mora ex persona, que recorrentemente é tema em demandas judiciais que discutem o exato momento de sua constituição para todos os fins legais. 


Por Otávio Leal



segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Teoria do adimplemento substancial e boa-fé objetiva como elementos limitadores do exercício de direitos subjetivos dos credores.



O artigo 475 do Código Civil prescreve “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” Trata-se, portanto, de importante artigo que regula os negócios jurídicos, trazendo, especificamente, uma cláusula resolutiva.

A interpretação que o Superior Tribunal de Justiça vem conferindo em diversos julgados que tratam sobre o tema é de que o referido artigo deve ser lido conjuntamente com as cláusulas gerais previstas no Código Civil, precisamente a boa-fé objetiva e função social dos contratos.

A teoria do adimplemento substancial, consistente no impedimento do credor rescindir o contrato, nos casos em que parte essencial da obrigação assumida tenha sido cumprida pelo devedor, não perdendo, contudo, o direito de obter o restante do crédito em ação de cobrança, mitiga, de certa forma, o direito conferido ao credor conforme literal disposição do artigo 475 do CC.

Neste sentido, temos o julgamento do Resp 1.202.514, onde a ministra Nancy Andrighi, aponta como uma das funções do princípio da boa-fé objetiva ser uma forma de limite ao exercício de direitos subjetivos. Senão vejamos:

“...Com efeito, a boa-fé objetiva, princípio geral de direito recepcionado pelos arts. 113 e 422 do CC/02 como instrumento de interpretação do negócio jurídico e norma de conduta a ser observada pelas partes contratantes, exige de todos um comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade.
A boa-fé objetiva induz deveres assessórios de conduta, impondo às partes comportamentos obrigatórios implicitamente contidos em todos os contratos, a serem observados para que se concretizem as justas expectativas oriundas da própria celebração e execução da avença, mantendo-se o equilíbrio da relação. Essas regras de conduta não se orientam exclusivamente ao cumprimento da obrigação, permeando toda a relação contratual, de modo a viabilizar a satisfação dos interesses globais envolvidos no negócio, sempre tendo em vista a plena realização da sua finalidade social.
Dessarte, o princípio da boa-fé objetiva exerce três funções: (i) instrumento hermenêutico; (ii) fonte de direitos e deveres jurídicos; e (iii) limite ao exercício de direitos subjetivos. A esta última função aplica-se a teoria do adimplemento substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios, como meio de rever a amplitude e o alcance dos deveres contratuais, daí derivando os seguintes institutos: tu quoque , venire contra factum proprium , surrectio e supressio.”

No caso concreto, uma indústria firmara contrato de prestação de serviços jurídicos com um escritório de advocacia que previa o pagamento de prestações mensais, reajustadas a cada 12 meses. Ocorre que, durante 6 anos da vigência do negócio não houve qualquer correção nas parcelas prestadas. O escritório optou por renunciar aos reajustes anuais, visando preservar a manutenção do contrato. Porém, quando da rescisão contratual o escritório cobrou o pagamento dos reajustes retroativos.

Ocorreu aqui típica hipótese de supressio, para utilizar o conceito da ministra em seu voto: como “a possibilidade de se considerar suprimida determinada obrigação contratual na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar ao devedor a legítima expectativa de que esse não-exercício se prorrogará no tempo. Em outras palavras, haverá redução do conteúdo obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a sensação válida e plausível – a ser apurada casuisticamente – de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.”

Em outro julgado do Superior Tribunal de Justiça, Resp 1.051.270-RS, a teoria do adimplemento substancial foi utilizada em um contrato de arrendamento mercantil onde a instituição bancária buscava a reintegração de posse contra um cliente em razão do inadimplemento de 5 das 36 parcelas devidas no contrato de aquisição de automóvel.

Ficou assentado, no supracitado acórdão, que a teoria do adimplemento substancial tem como escopo “impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato.” Contudo, o ministro relator Luis Felipe Salomão deixou claro que não se tratava de afirmar que a dívida desapareceria, mas tão somente que o credor poderia se valer de outros meios menos gravosos e proporcionalmente mais adequados para o recebimento do crédito remanescente.

Assim, percebe-se que a boa-fé objetiva, como cláusula geral do direito civil, nas suas mais diversas expressões (venire contra factum proprium, exceptio dolo, tu quoque, supressio e surrectio), dentre as quais destacamos a teoria do adimplemento substancial, se revela como verdadeira limitação ao exercício de alguns direitos subjetivos dos credores como bem se verificou da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

     
Por Otávio Leal