A
discussão quanto à natureza jurídica do nascituro é tema que gera fortes
embates doutrinários. Na doutrina brasileira nunca houve consenso a respeito do
tema, o que consequentemente acabou por resvalar na interpretação e
aplicação prática nos tribunais.
A
controvérsia surge diante da literalidade do art. 2º do Código Civil Brasileiro
que dispõe: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas
a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Assim,
para os natalistas a personalidade civil teria início a partir do nascimento
com vida, gozando o nascituro apenas de proteção de atos destinados à
conservação de direitos[1]. De outra banda, para os concepcionistas os direitos do nascituro somente passariam a existir com a concepção.
Decorrência
disso, a polêmica chegou ao Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da
constitucionalidade da Lei de Biossegurança na ADI n. 3.510/DF. Do referido
julgado é possível estabelecer que, embora a teoria natalista tenha
sido adotada como base de fundamentação, o “transbordamento do princípio da dignidade da pessoa humana”
para utilizar a expressão empregada pelo Ministro Carlos Ayres Brito, acabou
por atingir também, o ser em formação:
o princípio da
dignidade da pessoa humana admitiria transbordamento e que, no plano da
legislação infraconstitucional, essa transcendência alcançaria a proteção de
tudo que se revelasse como o próprio início e continuidade de um processo que
desaguasse no indivíduo-pessoa, citando, no ponto, dispositivos da Lei
10.406/2002 (Código Civil), da Lei 9.434/97, e do Decreto-lei 2.848/40 (Código
Penal), que tratam, respectivamente, dos direitos do nascituro(...) [2]
Na
lição de Marcos Ehrhardt Junior, esta polêmica só faz sentido para aqueles
“que não fazem distinção entre os conceitos de sujeito de direito e pessoa,
equiparando-os.”[3] Corroboramos do mesmo
entendimento acrescentando a lição de Pontes de Miranda:
[..] Sujeito de direito é o ente que figura ativamente na relação jurídica fundamental ou nas relações jurídicas que são efeitos ulteriores. Poder-se-ia dizer sujeito do direito, sujeito da pretensão, sujeito da ação, sujeito da exceção. Em vez disso, emprega-se, em geral, a expressão “sujeito de direito”, sendo raras as demais, posto que adequadas, e preferem-se outras - titular de direito, titular da pretensão, titular da ação, titular da exceção - para se caracterizar cada degrau de efeito dos fatos jurídicos de que se nomeia o sujeito. O ser sujeito é a titularidade. Não se confunde ela com o exercício do direito, da pretensão, da ação ou da exceção, que pode tocar a outrem, por lei ou por ato jurídico próprio do titular. Às vezes, o sistema jurídico estabelece outro direito e outro exercício (=por outras pessoa) quando o titular não pode exercer os direitos e o que teria de os exercer por ele não o pode por algum tempo.[4]
Neste
cenário, conforme bem defende Carlos Roberto Gonçalves embora a personalidade
comece do nascimento com vida, existe no Código Civil um sistema de proteção ao
nascituro, com as mesmas conotações da conferida a qualquer ser dotado de
personalidade[5], e isso se dá, devido a
possibilidade de transmissão da relação jurídica que se opera no plano da eficácia, conforme dispõe a teoria ponteana:
enquanto direitos
(inclusive créditos), pretensões, ações e exceções são transmissíveis, não o é
de regra a relação jurídica. De modo que a transmissão é a passagem do direito,
pretensão, ação ou exceção a outra relação jurídica que aquela que nasceu.[...]
Mas é certo que os sistemas jurídicos poderiam conceber a transmissão da
relação jurídica mesma, porque se está no plano da eficácia, onde tudo pode a
técnica legislativa[6]
Com efeito, esse entendimento pode ser resumido da seguinte forma: embora
o Supremo Tribunal Federal tenha se utilizado de conceitos eminentemente natalistas, na prática não afastou a aplicação dos efeitos defendidos pela corrente concepcionista. No entender daquela corte pela transcendência emprestada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a nosso ver pela transmissão da relação jurídica decorrente da eficácia protetiva do próprio artigo 2º do nosso Código Civil.
Fica o debate...
Fica o debate...
[1] EHRHARDT
JÚNIOR, Marcos. Direito Cvil – LICC e Parte Geral Volume 1. Editora Juspodium.,
Salvador: 2009. p. 118.
[2] http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo497.htm#ADI%20e%20Lei%20da%20Biosseguran%C3%A7a%20-%203
[3] EHRHARDT
JÚNIOR, Marcos. Direito Cvil – LICC e Parte Geral Volume 1. Editora Juspodium.,
Salvador: 2009. p. 121
[4] MIRANDA,
Pontes de. Tratado de Direito Privado Parte Geral. Campinas: Bookseller,
1999. p. 214.
[5] Cf.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1. 8 ed. São Paulo.
Saraiva: 2010. p. 105.
[6] MIRANDA,
Pontes de. Tratado de Direito Privado Parte Geral. Campinas: Bookseller,
1999. p. 184
Por Otávio Leal
Por Otávio Leal
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