Em
março do corrente ano, o Conselho da Justiça Federal (CJF) editou o enunciado
531 no qual ficou estabelecido: “a tutela da dignidade da pessoa humana na
sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.”
Nesta
senda, na precisa lição de Maria Celina Bodin de Moraes temos por tutela da
dignidade da pessoa humana tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (sujeito de
direitos) à condição de objeto, abarcando como sua expressão, a igualdade, a
liberdade, a integridade psicofísica e a solidariedade.
Ao
relacionar a tutela jurídica da dignidade da pessoa humana na atual sociedade
da informação é possível chegar à necessária ponderação entre os limites
confrontados entre liberdade de informação e expressão e os direitos da
personalidade, destacando-se, entre suas vertentes, o direito ao esquecimento.
Nos
dizeres do Ministro Luis Felipe Salomão “o mencionado conflito é mesmo imanente
à própria opção constitucional pela proteção de valores quase sempre
antagônicos, os quais, em última análise, representam, de um lado, o legítimo
interesse de "querer ocultar-se" e, de outro, o não menos legítimo
interesse de se "fazer revelar".
Válido
transcrever a justificativa do Conselho da Justiça Federal para aprovação do
enunciado 531: “Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm
-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem
histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do
direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de
apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a
possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais
especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.”
Cumpre
esclarecer que o direito ao esquecimento não se limita aos fatos ocorridos na
seara penal, sua origem é que possui essa particularidade como bem delineou a
justificativa do Conselho da Justiça Federal. Isto porque, o debate foi
gradativamente sendo ampliado, e, atualmente, vem servindo de contorno para
outros aspectos da vida do sujeito que pretende ver aplicado, a algum fato de
sua vida, a referida tutela jurídica.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema do direito ao esquecimento em dois julgados. A partir da análise dos Resp 1.334.097
e 1.335.153 extraímos algumas características de como o
instituto vem sendo aplicado naquele Tribunal.
Os
que defendem a sua não aplicação aduzem:
i)
“que o direito ao esquecimento é um atentado à liberdade de expressão e de
imprensa”;
ii)
“o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa
significa perda da própria história”;
iii)
“a privacidade seria a censura do nosso tempo”;
iv)
“o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre
crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e
judiciária, informações de inegável interesse público”;
v)
“não sendo possível que uma informação lícita transforme-se em ilícita pela
simples passagem do tempo”;
vi)
“quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção
à intimidade e privacidade em benefício do interesse público e, ademais, uma
segunda publicação (a lembrança, que conflita com o esquecimento) nada mais faz
do que reafirmar um fato que já é de conhecimento público”
De
outra banda, a aplicabilidade do instituto teve como fundamentação:
i)
o direito tem uma tendência a estabilização das relações jurídicas não se
admitindo que determinada situação se mostre perene sobre o tempo;
ii)
Embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de informação, a
veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude, muito menos
transforma a liberdade de imprensa em um direito absoluto e ilimitado;
iii)
o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se
esgota a resposta penal conferida ao
fato criminoso, neste sentido, também estaria mitigada as informações
pertinentes ao caso;
O Superior Tribunal de Justiça consignou as seguintes premissas:
i)
o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz
necessariamente ao dever de indenizar.
ii)
“na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um “direito ao esquecimento”, na contramão, a dor vai
diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido,
embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes” de modo que não
há necessariamente dano moral.
iii)
o direito ao esquecimento é mitigado em decorrência de crimes que entraram na
história criminal.
iv)
na
colisão entre princípios deve-se adotar a técnica da ponderação, de
modo
que, o ideal seria não afastar totalmente a aplicação de qualquer um
deles. Assim,
seria possível a veiculação de notícias jornalísticas de crimes antigos,
desde que não se fazendo menção a nomes ou fotografias que pudessem
violar a honra ou a imagem
dos sujeitos envolvidos.
Percebe-se que embora o tema seja antigo no direito comparado, e,
sobretudo, nas discussões doutrinárias, há ainda poucos julgados aplicando o
direito ao esquecimento nos tribunais brasileiros. No entanto, imperioso
destacar a plena compatibilidade entre a aplicação do instituto e o ordenamento
jurídico pátrio, especialmente ante a tutela da dignidade da pessoa humana
consagrado como princípio fundamental em nosso texto constitucional.
Por Otávio Leal
Por Otávio Leal