No
Brasil existem duas espécies de bem família: o bem de família
convencional ou voluntário, previsto nos artigos 1.711 a 1722 do
Código Civil, e o bem de família legal instituído pela Lei
8.009/90.
O art. 1º da
Lei 8.009/90 dispõe que: "O imóvel residencial próprio do
casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá
por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou
filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta lei".
Assim,
o bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do
casal ou da entidade familiar. É importante ressaltar que residência, para todos
os efeitos desta lei, é apenas um imóvel utilizado para moradia
permanente (art. 5º, Lei 8.009/90). Desse modo, na hipótese de o casal
ou entidade familiar possuir vários imóveis utilizados como residência, a
impenhorabilidade irá recair sobre o de menor valor, salvo se houver
outra disposição – bem de família convencional - no Registro de
Imóveis nos termos do Código Civil.
Ocorre
que, excepcionalmente, o art. 3° da Lei 8.009/90 nos traz situações
onde a impenhorabilidade não será oponível, são elas:
I
- em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e
das respectivas contribuições previdenciárias;
II
- pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à
construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e
acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III
- pelo credor de pensão alimentícia;
IV
- para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V
- para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI
- por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de
sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
VII
- por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação.
No
julgamento do Resp 1.324.107-SP, de relatoria da Ministra Nancy
Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que
as exceções da impenhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente.
In
casu, a lide consistia em estabelecer se a dívida decorrente de
contribuição a ser recolhida pela Associação de Moradores (como contraprestação de serviços de segurança, manutenção, jardinagem, limpeza e outros, nas áreas comuns de um bolsão residencial) poderia
ser equiparada a débito condominial para o fim de afastar a
proteção dada ao bem de família pela Lei 8.009/90.
A
Associação de Moradores defendia que a contribuição arrecadada e
devida pelos réus deveria recair justamente sobre o imóvel. Para
tanto, se utilizaram da tese de que as taxas condominiais, embora não
previstas taxativamente pela lei, fora excepcionada deste regime
conforme entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça.
Desta feita, buscou equiparar as contribuições cobradas às
despesas condominais.
No
referido julgado, a Ministra Relatora destacou que: "as taxas de
manutenção criadas por associação de moradores não podem ser
impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu
ao ato que instituiu o encargo".
Ademais,
destacou a diferença da natureza jurídica das duas cobranças:
“O
fato de ser impossível cobrar uma taxa associativa de quem não é
associado já demonstra, de plano, a fundamental diferença entre o
crédito buscado nesta execução, e o crédito decorrente de uma
taxa condominial. A possibilidade de cobrança de taxa condominial
decorre de lei, e tem, até mesmo por isso, natureza jurídica de
dívida 'propter rem'. O fundamento da cobrança de tal contribuição
é, entre outros, a existência de áreas comuns, de propriedade de
todos os condôminos, que obrigatoriamente devem ser mantidas pela
universalidade de proprietários.”
Interessante
questão trouxe a ministra em seu voto ao indagar os efeitos que a
interpretação da equiparação entre a contribuição instituída
pela Associação de Moradores e a das taxas condominiais poderia
gerar em outros julgados, dos quais destaca "a possibilidade de um
contrato associativo produzir efeitos não apenas aos proprietários
dos imóveis que não aderiram ao pacto, mas também a terceiros que
tenham interesse em adquirir o bem".
Por
fim, confirmou que o fundamento do direito ao pagamento da taxa de
despesas é um direito pessoal, derivado da vedação ao
enriquecimento ilícito, não se podendo enquadrar a verba no amplo
permissivo do art.3º, IV, da Lei 8.009/90, que excepciona a
impenhorabilidade do bem de família nas hipóteses de "cobrança
de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas
em função do imóvel familiar". E mais, que a
orientação das hipóteses descritas nessa norma é claramente a de
excepcionar despesas impositivas, como ocorre nos tributos em geral.
Nesse sentido, a despesa condominial, por seu caráter "propter
rem", aproxima-se de tal natureza, daí a possibilidade de
seu enquadramento, no entanto, a taxa associativa não carregaria
essa natureza.
Obrigado pelo comentário.
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