terça-feira, 8 de outubro de 2013

Das exceções à impenhorabilidade do bem de família e a interpretação restritiva do art. 3º da Lei 8.009/90.

No Brasil existem duas espécies de bem família: o bem de família convencional ou voluntário, previsto nos artigos 1.711 a 1722 do Código Civil, e o bem de família legal instituído pela Lei 8.009/90.

O art. 1º da Lei 8.009/90 dispõe que: "O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei".

Assim, o bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. É importante ressaltar que residência, para todos os efeitos desta lei, é apenas um imóvel utilizado para moradia permanente (art. 5º, Lei 8.009/90). Desse modo, na hipótese de o casal ou entidade familiar possuir vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade irá recair sobre o de menor valor, salvo se houver outra disposição – bem de família convencional - no Registro de Imóveis nos termos do Código Civil.

Ocorre que, excepcionalmente, o art. 3° da Lei 8.009/90 nos traz situações onde a impenhorabilidade não será oponível, são elas:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

No julgamento do Resp 1.324.107-SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que as exceções da impenhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente.

In casu, a lide consistia em estabelecer se a dívida decorrente de contribuição a ser recolhida pela Associação de Moradores (como contraprestação de serviços de segurança, manutenção, jardinagem, limpeza e outros, nas áreas comuns de um bolsão residencial) poderia ser equiparada a débito condominial para o fim de afastar a proteção dada ao bem de família pela Lei 8.009/90.

A Associação de Moradores defendia que a contribuição arrecadada e devida pelos réus deveria recair justamente sobre o imóvel. Para tanto, se utilizaram da tese de que as taxas condominiais, embora não previstas taxativamente pela lei, fora excepcionada deste regime conforme entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça. Desta feita, buscou equiparar as contribuições cobradas às despesas condominais.

No referido julgado, a Ministra Relatora destacou que: "as taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo".

Ademais, destacou a diferença da natureza jurídica das duas cobranças:

O fato de ser impossível cobrar uma taxa associativa de quem não é associado já demonstra, de plano, a fundamental diferença entre o crédito buscado nesta execução, e o crédito decorrente de uma taxa condominial. A possibilidade de cobrança de taxa condominial decorre de lei, e tem, até mesmo por isso, natureza jurídica de dívida 'propter rem'. O fundamento da cobrança de tal contribuição é, entre outros, a existência de áreas comuns, de propriedade de todos os condôminos, que obrigatoriamente devem ser mantidas pela universalidade de proprietários.”

Interessante questão trouxe a ministra em seu voto ao indagar os efeitos que a interpretação da equiparação entre a contribuição instituída pela Associação de Moradores e a das taxas condominiais poderia gerar em outros julgados, dos quais destaca "a possibilidade de um contrato associativo produzir efeitos não apenas aos proprietários dos imóveis que não aderiram ao pacto, mas também a terceiros que tenham interesse em adquirir o bem".

Por fim, confirmou que o fundamento do direito ao pagamento da taxa de despesas é um direito pessoal, derivado da vedação ao enriquecimento ilícito, não se podendo enquadrar a verba no amplo permissivo do art.3º, IV, da Lei 8.009/90, que excepciona a impenhorabilidade do bem de família nas hipóteses de "cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar". E mais, que a orientação das hipóteses descritas nessa norma é claramente a de excepcionar despesas impositivas, como ocorre nos tributos em geral. Nesse sentido, a despesa condominial, por seu caráter "propter rem", aproxima-se de tal natureza, daí a possibilidade de seu enquadramento, no entanto, a taxa associativa não carregaria essa natureza.



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