quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Direito ao esquecimento e sua aplicação no Superior Tribunal de Justiça.


Em março do corrente ano, o Conselho da Justiça Federal (CJF) editou o enunciado 531 no qual ficou estabelecido: “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.” 

Nesta senda, na precisa lição de Maria Celina Bodin de Moraes temos por tutela da dignidade da pessoa humana tudo aquilo que puder reduzir a pessoa (sujeito de direitos) à condição de objeto, abarcando como sua expressão, a igualdade, a liberdade, a integridade psicofísica e a solidariedade. 

Ao relacionar a tutela jurídica da dignidade da pessoa humana na atual sociedade da informação é possível chegar à necessária ponderação entre os limites confrontados entre liberdade de informação e expressão e os direitos da personalidade, destacando-se, entre suas vertentes, o direito ao esquecimento.

Nos dizeres do Ministro Luis Felipe Salomão “o mencionado conflito é mesmo imanente à própria opção constitucional pela proteção de valores quase sempre antagônicos, os quais, em última análise, representam, de um lado, o legítimo interesse de "querer ocultar-se" e, de outro, o não menos legítimo interesse de se "fazer revelar".

Válido transcrever a justificativa do Conselho da Justiça Federal para aprovação do enunciado 531: “Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm -se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.”

Cumpre esclarecer que o direito ao esquecimento não se limita aos fatos ocorridos na seara penal, sua origem é que possui essa particularidade como bem delineou a justificativa do Conselho da Justiça Federal. Isto porque, o debate foi gradativamente sendo ampliado, e, atualmente, vem servindo de contorno para outros aspectos da vida do sujeito que pretende ver aplicado, a algum fato de sua vida, a referida tutela jurídica.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o tema do direito ao esquecimento em dois julgados. A partir da análise dos Resp 1.334.097 e 1.335.153 extraímos algumas características de como o instituto vem sendo aplicado naquele Tribunal.

Os que defendem a sua não aplicação aduzem:

i) “que o direito ao esquecimento é um atentado à liberdade de expressão e de imprensa”;
ii) “o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa perda da própria história”;
iii) “a privacidade seria a censura do nosso tempo”;
iv) “o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público”;
v) “não sendo possível que uma informação lícita transforme-se em ilícita pela simples passagem do tempo”;
vi) “quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público e, ademais, uma segunda publicação (a lembrança, que conflita com o esquecimento) nada mais faz do que reafirmar um fato que já é de conhecimento público”

De outra banda, a aplicabilidade do instituto teve como fundamentação:

i) o direito tem uma tendência a estabilização das relações jurídicas não se admitindo que determinada situação se mostre perene sobre o tempo;
ii) Embora a notícia inverídica seja um obstáculo à liberdade de informação, a veracidade da notícia não confere a ela inquestionável licitude, muito menos transforma a liberdade de imprensa em um direito absoluto e ilimitado;
iii) o interesse público que orbita o fenômeno criminal  tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal  conferida ao fato criminoso, neste sentido, também estaria mitigada as informações pertinentes ao caso;

O Superior Tribunal de Justiça consignou as seguintes premissas:

i) o reconhecimento, em tese, de um direito de esquecimento não conduz necessariamente ao dever de indenizar.
ii) “na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um “direito ao  esquecimento”, na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes” de modo que não há necessariamente dano moral.
iii) o direito ao esquecimento é mitigado em decorrência de crimes que entraram na história criminal.
iv) na colisão entre princípios deve-se adotar a técnica da ponderação, de modo que, o ideal seria não afastar totalmente a aplicação de qualquer um deles. Assim, seria possível a veiculação de notícias jornalísticas de crimes antigos, desde que não se fazendo menção a nomes ou fotografias que pudessem violar a honra ou a imagem dos sujeitos envolvidos.

Percebe-se que embora o tema seja antigo no direito comparado, e, sobretudo, nas discussões doutrinárias, há ainda poucos julgados aplicando o direito ao esquecimento nos tribunais brasileiros. No entanto, imperioso destacar a plena compatibilidade entre a aplicação do instituto e o ordenamento jurídico pátrio, especialmente ante a tutela da dignidade da pessoa humana consagrado como princípio fundamental em nosso texto constitucional.

Por Otávio Leal

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Veiculação de obras biográficas sem autorização do biografado: Alguns aspectos da ADI 4.815.



Em julho de 2012 foi distribuída no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.815, ajuizada pela Associação Nacional do Editores de Livros (Anel), questionando a interpretação legal dos artigos 20 e 21 do Código Civil. O objeto da referida ação tem como questão de fundo o acolhimento da tese de que a legislação civil, interpretada à luz dos preceitos constitucionais, não veda a veiculação de obras biográficas sem autorização prévia do biografado. Neste sentido, a petição inicial adotou como fundamentação o artigo 5º, incisos IV, IX e XIV da Constituição Federal.

O argumento central da associação é de que biografias estão sendo tolhidas em face da proteção da esfera privada e em função da ausência do consentimento das personalidades retratadas.

As principais teses colhidas na petição inicial podem ser resumidas nos seguintes pontos:

(i) a atual interpretação adotada não se coaduna com o sistema constitucional da liberdade de expressão e do direito à informação, configurando verdadeira censura privada, por via judicial, de biografias não autorizadas.
 (ii) as pessoas cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política, haja tomado dimensão pública, gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais estreita.
(iii) a literalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil, ao não preverem qualquer exceção no tocante as obras biográficas viola as liberdades de manifestação de pensamento, da atividade artística, intelectual, científica e de comunicação (CF, art. 5º, IV e IX), além do direito difuso da cidadania à informação (art. 5º, XIV).
(iv) considera que superada a fase da censura estatal, submeter a livre manifestação de autores e historiadores ao direito potestativo dos personagens biografados, familiares, em caso de pessoas falecidas, configuraria censura privada.

Analisemos algumas interpretações sobre o tema em decisões já consagradas nos tribunais superiores, sobretudo no Superior do Tribunal de Justiça:

(a) “A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constitui direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana” (Resp 783.139)
(b) “o abuso, no plano infraconstitucional, está na falta de veracidade das afirmações veiculadas, capazes de gerar indignação, manchando a honra do ofendido.” (Resp 439.584).
(c) “O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará. Pode-se dizer que o jornalista tem um dever de investigar os fatos que deseja publicar” (Resp 984.803).
(d) “O processo de divulgação de informações satisfaz verdadeiro interesse público, devendo ser célere e eficaz, razão pela qual não se coaduna com rigorismos próprios de um procedimento judicial.” (Resp 984.803).
(e) “As pessoas públicas, malgrado mais suscetíveis a críticas, não perdem o direito à honra. Alguns aspectos da vida particular de pessoas notórias podem ser noticiados. No entanto, o limite para a informação é o da honra da pessoa. Com efeito, as notícias que têm como objeto pessoas de notoriedade não podem refletir críticas indiscriminadas e levianas, pois existe uma esfera íntima do indivíduo, como pessoa humana, que não pode ser ultrapassada.” (Resp 706.769)
(f) Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. (Resp 58.101) (...) Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa” (Resp 595600).

Pode-se destacar da leitura da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que existe uma tendência a ponderação dos princípios da liberdade de informação e defesa da privacidade. No entanto, há uma forte corrente no sentido de que àquelas pessoas que possuem exposição pública (artistas, políticos, atletas, entre outros) merecem uma análise específica quando em discussão certos aspectos dos direitos da personalidade.

No direito comparado esta mitigação já é verificada, como bem se observa do Código Civil Português:

“Art. 79º (...) Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de fatos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.”(Código Civil Português)

O entendimento também ficou consagrado na IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, conforme leitura do enunciado n. 279:

“279 – Art.20. A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”
            
                  Assim, é possível concluir que existe verdadeiramente uma maior suscetibilidade, ou mesmo flexibilização, em determinados direitos da personalidade de pessoas notórias e famosas. Contudo, tal flexibilização não deve servir como véu, para encobrir destas pessoas, a proteção jurídica em face de abusos que possam ser cometidos pelos veículos midiáticos. 

Petição Inicial da ADI 4815 

Por Otávio Leal

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Das exceções à impenhorabilidade do bem de família e a interpretação restritiva do art. 3º da Lei 8.009/90.

No Brasil existem duas espécies de bem família: o bem de família convencional ou voluntário, previsto nos artigos 1.711 a 1722 do Código Civil, e o bem de família legal instituído pela Lei 8.009/90.

O art. 1º da Lei 8.009/90 dispõe que: "O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei".

Assim, o bem de família legal consiste no imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. É importante ressaltar que residência, para todos os efeitos desta lei, é apenas um imóvel utilizado para moradia permanente (art. 5º, Lei 8.009/90). Desse modo, na hipótese de o casal ou entidade familiar possuir vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade irá recair sobre o de menor valor, salvo se houver outra disposição – bem de família convencional - no Registro de Imóveis nos termos do Código Civil.

Ocorre que, excepcionalmente, o art. 3° da Lei 8.009/90 nos traz situações onde a impenhorabilidade não será oponível, são elas:

I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III - pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

No julgamento do Resp 1.324.107-SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, o Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que as exceções da impenhorabilidade do bem de família devem ser interpretadas restritivamente.

In casu, a lide consistia em estabelecer se a dívida decorrente de contribuição a ser recolhida pela Associação de Moradores (como contraprestação de serviços de segurança, manutenção, jardinagem, limpeza e outros, nas áreas comuns de um bolsão residencial) poderia ser equiparada a débito condominial para o fim de afastar a proteção dada ao bem de família pela Lei 8.009/90.

A Associação de Moradores defendia que a contribuição arrecadada e devida pelos réus deveria recair justamente sobre o imóvel. Para tanto, se utilizaram da tese de que as taxas condominiais, embora não previstas taxativamente pela lei, fora excepcionada deste regime conforme entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça. Desta feita, buscou equiparar as contribuições cobradas às despesas condominais.

No referido julgado, a Ministra Relatora destacou que: "as taxas de manutenção criadas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo".

Ademais, destacou a diferença da natureza jurídica das duas cobranças:

O fato de ser impossível cobrar uma taxa associativa de quem não é associado já demonstra, de plano, a fundamental diferença entre o crédito buscado nesta execução, e o crédito decorrente de uma taxa condominial. A possibilidade de cobrança de taxa condominial decorre de lei, e tem, até mesmo por isso, natureza jurídica de dívida 'propter rem'. O fundamento da cobrança de tal contribuição é, entre outros, a existência de áreas comuns, de propriedade de todos os condôminos, que obrigatoriamente devem ser mantidas pela universalidade de proprietários.”

Interessante questão trouxe a ministra em seu voto ao indagar os efeitos que a interpretação da equiparação entre a contribuição instituída pela Associação de Moradores e a das taxas condominiais poderia gerar em outros julgados, dos quais destaca "a possibilidade de um contrato associativo produzir efeitos não apenas aos proprietários dos imóveis que não aderiram ao pacto, mas também a terceiros que tenham interesse em adquirir o bem".

Por fim, confirmou que o fundamento do direito ao pagamento da taxa de despesas é um direito pessoal, derivado da vedação ao enriquecimento ilícito, não se podendo enquadrar a verba no amplo permissivo do art.3º, IV, da Lei 8.009/90, que excepciona a impenhorabilidade do bem de família nas hipóteses de "cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar". E mais, que a orientação das hipóteses descritas nessa norma é claramente a de excepcionar despesas impositivas, como ocorre nos tributos em geral. Nesse sentido, a despesa condominial, por seu caráter "propter rem", aproxima-se de tal natureza, daí a possibilidade de seu enquadramento, no entanto, a taxa associativa não carregaria essa natureza.



sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Das Teorias quanto a Natureza Jurídica do Nascituro: natalistas e concepcionistas e a (ir)relevância prática após o julgamento da ADI n. 3510/DF


A discussão quanto à natureza jurídica do nascituro é tema que gera fortes embates doutrinários. Na doutrina brasileira nunca houve consenso a respeito do tema, o que consequentemente acabou por resvalar na interpretação e aplicação prática nos tribunais. 

A controvérsia surge diante da literalidade do art. 2º do Código Civil Brasileiro que dispõe: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Assim, para os natalistas a personalidade civil teria início a partir do nascimento com vida, gozando o nascituro apenas de proteção de atos destinados à conservação de direitos[1]. De outra banda, para os concepcionistas os direitos do nascituro somente passariam a existir com a concepção.

Decorrência disso, a polêmica chegou ao Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da constitucionalidade da Lei de Biossegurança na ADI n. 3.510/DF. Do referido julgado é possível estabelecer que, embora a teoria natalista tenha sido adotada como base de fundamentação, o “transbordamento do princípio da dignidade da pessoa humana” para utilizar a expressão empregada pelo Ministro Carlos Ayres Brito, acabou por atingir também, o ser em formação:    

o princípio da dignidade da pessoa humana admitiria transbordamento e que, no plano da legislação infraconstitucional, essa transcendência alcançaria a proteção de tudo que se revelasse como o próprio início e continuidade de um processo que desaguasse no indivíduo-pessoa, citando, no ponto, dispositivos da Lei 10.406/2002 (Código Civil), da Lei 9.434/97, e do Decreto-lei 2.848/40 (Código Penal), que tratam, respectivamente, dos direitos do nascituro(...) [2]

Na lição de Marcos Ehrhardt Junior, esta polêmica só faz sentido para aqueles “que não fazem distinção entre os conceitos de sujeito de direito e pessoa, equiparando-os.”[3] Corroboramos do mesmo entendimento acrescentando a lição de Pontes de Miranda:

[..] Sujeito de direito é o ente que figura ativamente na relação jurídica fundamental ou nas relações jurídicas que são efeitos ulteriores. Poder-se-ia dizer sujeito do direito, sujeito da pretensão, sujeito da ação, sujeito da exceção. Em vez disso, emprega-se, em geral, a expressão “sujeito de direito”, sendo raras as demais, posto que adequadas, e preferem-se outras - titular de direito, titular da pretensão, titular da ação, titular da exceção - para se caracterizar cada degrau de efeito dos fatos jurídicos de que se nomeia o sujeito. O ser sujeito é a titularidade. Não se confunde ela com o exercício do direito, da pretensão, da ação ou da exceção, que pode tocar a outrem, por lei ou por ato jurídico próprio do titular. Às vezes, o sistema jurídico estabelece outro direito e outro exercício (=por outras pessoa) quando o titular não pode exercer os direitos e o que teria de os exercer por ele não o pode por algum tempo.[4]

Neste cenário, conforme bem defende Carlos Roberto Gonçalves embora a personalidade comece do nascimento com vida, existe no Código Civil um sistema de proteção ao nascituro, com as mesmas conotações da conferida a qualquer ser dotado de personalidade[5], e isso se dá, devido a possibilidade de transmissão da relação jurídica que se opera no plano da eficácia, conforme dispõe a teoria ponteana:

enquanto direitos (inclusive créditos), pretensões, ações e exceções são transmissíveis, não o é de regra a relação jurídica. De modo que a transmissão é a passagem do direito, pretensão, ação ou exceção a outra relação jurídica que aquela que nasceu.[...] Mas é certo que os sistemas jurídicos poderiam conceber a transmissão da relação jurídica mesma, porque se está no plano da eficácia, onde tudo pode a técnica legislativa[6]

Com efeito, esse entendimento pode ser resumido da seguinte forma: embora o Supremo Tribunal Federal tenha se utilizado de conceitos eminentemente natalistas, na prática não afastou a aplicação dos efeitos defendidos pela corrente concepcionista. No entender daquela corte pela transcendência emprestada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a nosso ver pela transmissão da relação jurídica decorrente da eficácia protetiva do próprio artigo 2º do nosso Código Civil.

Fica o debate...


[1] EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Direito Cvil – LICC e Parte Geral Volume 1. Editora Juspodium., Salvador: 2009. p. 118.

[2] http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo497.htm#ADI%20e%20Lei%20da%20Biosseguran%C3%A7a%20-%203

[3] EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Direito Cvil – LICC e Parte Geral Volume 1. Editora Juspodium., Salvador: 2009. p. 121

[4] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado Parte Geral. Campinas: Bookseller, 1999. p. 214. 

[5] Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Volume 1. 8 ed. São Paulo. Saraiva: 2010. p. 105.


[6] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado Parte Geral. Campinas: Bookseller, 1999. p. 184

Por Otávio Leal